PERSONALIDADES DO ESPORTE

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

PAULO CÉSAR GUSMÃO "PC"

Paulo César Gusmão abre a sua casa e revela: pensa em futebol 24 horas por dia.
- Treinador diz que está maduro, lamenta decisões precipitadas do passado e fala do bom ambiente que vive em família e com o elenco vascaíno.


PC Gusmão abriu o seu apartamento para o GLOBOESPORTE.COM. Treinador falou de sua intimidade e chegou até a mostrar um vídeo dos tempos de Ceará Sporting Club.

Nesta arracanda do Vasco no Campeonato Brasileiro, tempo livre é algo raro na vida do técnico Paulo César Gusmão. Foram três vitórias e três empates, aproveitamento que daria o terceiro lugar ao Gigante da Colina se a competição tivesse começado após a pausa para a Copa do Mundo. Mesmo de folga em casa, ele não relaxa. Futebol não sai da cabeça de PC. Abre o computador, analisa o adversário e vê com quem pode contar para o próximo desafio.

- Os meus amigos me ligam e brincam: "sai da toca" - brincou o treinador.

Paulo César Gusmão sentiu saudade do Rio de Janeiro, da bela vista de sua varanda de frente para o mar da praia da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O convite do Vasco foi providencial. Juntou a vontade de retornar à Cidade Maravilhosa e de trabalhar no clube de coração, local onde inciou a carreira de preparador de goleiros e teve a primeira chance como treinador de uma equipe profissional.

Longe da badalação carioca, ele prefere curtir a casa. Sair? Para quê? Só para jogar vôlei ou para ir aos compromissos familiares, sempre obrigatórios. E foi justamente nesse ambiente aconchegante e ao lado da mulher, Ana Beatriz, que o comandante vascaíno recebeu o GLOBOESPORTE.COM para um um bate-papo informal.

Logo de cara, PC Gusmão faz um convite para o andar superior de seu apartamento duplex. Ao subir os primeiros degraus, um painel mostra vários momentos da carreira do treinador. Títulos pelo Vasco, passagem pela Seleção Brasileira, na época comandada por Vanderdei Luxemburgo, e imagens com o parceiro Romário, companheiro de quarto na década de 80 no Gigante da Colina. Sem pensar duas vezes, o treinador corre para o aparelho de DVD e exibe com orgulho um vídeo sobre a sua passagem no Ceará. Com os olhos marejados, ele comenta.

- Vocês precisam ver como foi a nossa chegada a Fortaleza. O jogo que garantiu a volta à Série "A" foi em Campinas e, no retorno, os torcedores estavam nos esperando, uma coisa linda - comentou.

No armário, um troféu dado pelo governo do Ceará de honra ao mérito esportivo, tudo por ter conquistado o acesso do Vovô à Série "A" para a temporada 2010. No ambiente, PC respira futebol. São taças, medalhas e vídeos. Na estante, outra paixão do comandante vascaíno, a leitura. A biografia do nadador Michael Phelps, vencedor de oito medalhas de ouro nas Olimpíadas de Pequim, em 2008 ("Sem Limites"), e títulos como "Inteligência Emocional", de Daniel Goleman, e "Semente da Vitória", de Nuno Cobra, fazem parte dos preferidos do técnico. Todas obras motivacionais.

Porém, no período em que assumiu o Vasco, uma nova leitura tem chamado a atenção de PC.
- É um livro chamado "Onde Existe a Luz" de um indiano que eu não me recordo o nome (Paramahansa Yogananda). Ele fala de algumas palavras para você usar no dia a dia e outras para não usar nem dentro da sua casa. O mundo gira em torno de energia. É para você estar sempre em ambientes com energia positiva, com coisas boas. Se eu percebo que vou em um lugar e o ambiente está pesado, eu prefiro nem ir. Tem lugares que eu sou obrigado, porque eu tenho família, mas eu saio até pesado. Mas existem outros ambientes que eu sei que vou sair numa boa
- disse o treinador.

PC GUSMÃO abre o baú de São Januário.

Pc Gusmão ao lado de Romário, seu companheiro de quarto na concentração do Vasco.
PC Gusmão reencontra Donato, ex-companheiro de Vasco na década de 80.

PC Gusmão treina forte para tentar superar o titular Acácio.
PC Gusmão em ação em um treino do Vasco, em São Januário.

Mas não são apenas os livros que atraem o ávido leitor PC Gusmão. Reportagens jornalísticas também servem de exemplo para o trabalho do treinador. Até mesmo um material sobre uma orquestra sinfônica foi lembrado pelo comandante vascaíno. Na opinião dele, trabalho duro e disciplina não fazem mal a ninguém.

- Li sobre uma orquestra que estava falida e contratou um novo maestro. Ele apostou na disciplina e no trabalho para melhorar o desempenho. O problema é que tinha um monte de músicos reclamando que o cara cobrava demais, que parecia um militar. Lembro que teve um jogo do Brasil e o pessoal queria uma folga, mas ele colocou para ensaiar antes e até depois da partida. Todo mundo reclamou. Parecia até jogador de futebol encostando em repórter e dizendo: "aquele cara é chato demais, cobra isso, aquilo (risos)". Tudo mudou. O salário dos músicos passou de R$ 2,2 mil para R$ 6 mil, de 35 apresentações anuais para 85, os patrocinadores voltaram. Eu leio isso porque a linha vencedora não tem local, não tem hora. Em qualquer trabalho se você não tiver disciplina, trabalho e respeito, você não vai a lugar nenhum - disse.

No vestiário, tudo o que lembra o bom desempenho do Vasco na retomada do Brasileirão é utilizado pelo comandante.

- Coloco no vestiário o antes e o depois para eles verem o desempenho. Antes da Copa era de 33%, agora é de quase 67%. Isso motiva ainda mais - afirmou o comandante vascaíno.

PC Gusmão diante de uma de suas diversões: a churrasqueira de seu apartamento na Barra.

E quando o trabalho sai da cabeça do treinador por alguns instantes, o lazer é ficar em casa, no máximo um pulo até a rede de vôlei em frente ao seu condomínio. Diversão com os amigos mesmo é na frente da churrasqueira e, de preferência, perto da família Gusmão.

- Faço churrasco. As minhas filhas até tentam me carregar para o cinema, mas é difícil. O meu cachorro está atrás de mim para cima e para baixo (Toby). Outro dia, em uma folga, eu estava em uma sala de cirurgia veterinária para ficar com ele. Gosto da minha casa, gosto de ficar com as minhas filhas (Paula, de 22 anos e Beatriz, de 17), não sou de rua. Gosto de jogar um vôlei de praia com os meus amigos botafoguenses. É isso que eu faço para relaxar. Não tem muito mistério - contou.

E o churrasco? PC afirmou que até costuma começar a queimar a carne, mas que no fim deixa o comando com o cunhado Sid ou com o genro Rodrigo.

- Um dos dois termina. Eu prefiro beber um pouco (risos) - brincou o comandante.

Com o passar da conversa, o assunto volta ao Vasco. Saudoso, ele relembra quando chegou ao clube. Já formado em Educação Física, era um jogador diferente, principalmente por já ter uma profissão fora das quatro linhas.

- Quando cheguei ao Vasco, com 23 ou 24 anos, era professor de Educação Física e tinha duas matrículas, uma no município e outra no Estado. Tinha uma academia de ginástica e musculação com a minha esposa. Parei de jogar com 28 anos por causa de uma contusão no ligamento cruzado anterior do joelho. Eu não queria operar, porque já dava sequência à minha vida profissional. Fui ao Vasco para conversar com o doutor Alexandre Campello e surgiu a chance de ser preparador de goleiros. Foi um convite do Paulo Angioni e do Eurico. E foi aí que eu comecei a carreira de preparador - contou o treinador, que tem tanta ligação com o clube que batizou as filhas na Capela Nossa Senhora das Vitórias, localizada dentro de São Januário.

PC afirmou ainda que buscou uma metodologia diferente para trabalhar com os profissionais e lembrou com carinho de seu primeiro aluno.

- Eu queria fazer um trabalho aplicando o que eu sabia de preparação física com o que eu fui como goleiro. Peguei uma cobaia chamada Carlos Germano. Ele foi o grande responsável pela minha evolução profissional, sempre foi um cara que reagiu bem aos treinos e me deu valor. Tive a felicidade de ele divulgar o trabalho. Devo muito do meu início a ele - elogiou PC, que trabalhou na Seleção e por conta disso deu clínicas na Europa, inclusive para goleiros da seleção inglesa.

De Carlos Germano, o assunto passou a ser o ex-atacante Romário. Nos tempos de jogador, PC dividiu quarto com o Baixinho. O treinador tem sempre uma história para contar.

Peguei uma cobaia chamada Carlos Germano. Ele foi o grande responsável pela minha evolução profissional, sempre foi um cara que reagiu bem aos treinos e me deu valor. Tive a felicidade dele divulgar o meu trabalho. Devo muito do meu início a ele "PC Gusmão, técnico do Vasco - O Romário era o meu companheiro de quarto. Lembro que ele tinha insônia e eu queria dormir. Nós ficávamos hospedados no Barra Beach, que era um flat. Tinha o quarto, com duas camas, uma televisão, e a sala. Ele dizia: "você quer dormir? Eu vou para a sala e vou levar a televisão". Mas eu dizia para ele apagar a luz e abaixar o volume, mas deixar a televisão para eu pegar no sono. E ele não pensava duas vezes em responder: "televisão não dá sono, tira o sono". Ele pegava o aparelho, levava o colchão e dormia na sala. Ele sempre foi sincero em suas colocações, sempre foi um cara franco. Quando ele gosta, ele gosta. Quando não gosta, não gosta. Até me ligou no início da semana para conversar - disse o comandante.

Dos tempos de Vasco, PC também não deixou de lembrar da final do Campeonato Carioca de 1988. Na partida decisiva, o lateral-direito Cocada entrou no segundo tempo e marcou o gol que selou o título do Gigante da Colina. Durante a festa, Renato Gaúcho, Romário e Alcindo se desentenderam, e o então goleiro reserva precisou intervir.

- O Romáio se desentendeu com o Renato e eu fui entrando para separar. Vi o Alcindo dando um pisão no Baixinho e eu dei outro pisão nele - disse PC.

Pisão? PC lembrou do lance e admitiu que pegou pesado com o companheiro. Atualmente, os dois são amigos e até riem da situação, mas na época...

- Foi uma voadora. O Alcindo diz que entrou para apartar, mas todo mundo viu no vídeo. Hoje em dia, os jogadores brincam: "professor, você nunca mais faz isso por causa do joelho" (risos) - comentou o treinador vascaíno, lembrando que tem problema no local.

Mas não são apenas de recordações boas que vive o atual treinador vascaíno. PC Gusmão abriu o coração a admitiu ter errado em algumas ocasiões de sua carreira. O treinador fez até um mea-culpa em sua saída do Botafogo. Tambem diz ter sido imaturo na decisão de deixar o Flamengo após pouco tempo de trabalho.

- Essas passagens rápidas por alguns clubes você pode classificar como imaturidade. A juventude, ligada a momentos de explosão, fizeram isso. Hoje, antes de tomar qualquer decisão eu paro, penso, respiro e ajo. Dessa forma, você tem menos chance de errar. No Botafogo, por exemplo, nós tínhamos tudo na mão, éramos líderes do campeonato, poderíamos ter estabilizado porque estava tudo bacana. O momento poderia ter sido prolongado, mas preferi sair. A saída do Flamengo foi mais por imaturidade e também pelo ambiente político que o clube vivia naquela época. Existiam duas correntes políticas e tudo se refletia dentro do futebol - relembrou o treinador vascaíno.

E o que mudou de lá para cá? PC fez uma análise e afirmou que a sua saída do eixo Rio-São Paulo o ajudou a mudar a forma de pensar. Mais maduro após passagens pelo Itumbiara, de Goiás, e pelo Ceará, ele garante que passou a se adaptar aos locais de trabalho em vez de obrigar os outros a se adaptatem ao seu estilo.

- Foi um amadurecimento, porque cheguei a trabalhar sem condições no início. Com o passar do tempo, as pessoas que estavam conduzindo o futebol desses clubes deram condições. Pudemos montar uma estrutura básica para o futebol profissional e tivemos a felicidade de conquistar títulos. O Itumbiara foi campeão pela primeira vez na história da cidade e pela primeira vez um time do interior era campeão sobre um time da capital. Em seguida, eu fui para o Ceará e lembro que fomos motivo de chacota após um empate por 3 a 3 com o Paraná e a entrada na zona de rebaixamento. Conseguimos chegar ao G-4 e à Série "A". Passei a me adaptar aos locais e a ir colocando a minha metodologia aos poucos - contou PC.

Ao ser questionado sobre as suas referências no futebol, PC não deixou de lembrar de Vanderlei Luxemburgo, com quem iniciou o trabalho de auxiliar técnico, em 2003, no Cruzeiro.

- Eu sempre cito o Vanderlei porque virei auxiliar trabalhando ao lado dele. Naquela época, eu trabalhei com ele no Cruzeiro, na Seleção, no Palmeiras. Foram anos de conquistas que tivemos. A forma de comando, a forma de motivação, a forma de treinamento, isso tudo não tem como eu esquecer. E o Luxemburgo foi o cara com quem vivi isso tudo. Também gosto muito do Oswaldo de Oliveira, um dos treinadores de alto nível do futebol brasileiro.

PC também aproveitou para falar do desempenho do Vasco no Campeonato Brasileiro e do que ele espera da equipe nas próximas rodadas. Confira abaixo os principais temas abordados pelo treinador durante o bate-papo com o GLOBOESPORTE.COM.

PC Gusmão em ação em uma atividade na Colina

Durante muito tempo, o seu nome era especulado no Vasco e não vingava. O que acha que ocorreu agora para ser contratado de fato?
- Acho que foram por duas situações. Pelo momento parecido que o Vasco vive hoje com aquele vivido em 2001, quando eu assumi pela primeira vez. E pelo momento profissional em que eu estava no Ceará, de ser o líder do Brasileiro, ao lado do Corinthians. Isso fez com que o meu nome fosse forte para voltar e ter a aceitação da torcida. Era o momento de eu voltar ao Vasco, de voltar ao Rio, de voltar para a minha casa, de viver com as minhas filhas nesse momento de formação.

Até onde esse Vasco pode brigar? Pode ficar lá em cima?
- É o que nós esperamos. Até o fim do primeiro turno, nós vamos saber onde vamos brigar no campeonato. O que esperamos é brigar lá em cima, pelo G-4. Após a Copa, nós pegamos quem estava na parte de baixo com a gente, depois no meio da tabela e agora teremos o cruzamento com quem está em cima. Agora nós vamos saber aonde podemos chegar, aonde podemos brigar. O time está mais equilibrado e pronto para brigar de igual para igual. Nos protocolos de competição, força, potência, nós estamos em alto nível. Temos esses parâmetros de outros clubes e procuramos igualar o Vasco.

Ficou surpreso com a reação dos torcedores nessa sua volta?- Eu sempre espero o melhor, mas fiquei surpreso. Logo no segundo jogo, em São Januário, o torcedor gritou o meu nome e isso não tem dinheiro que pague. A gente está acostumado a ser chamado de burro. Quando o torcedor grita o seu nome é ótimo.

Você usa algum aparelho para acompanhar as estatísticas, grava os jogos?
- Tenho o Footstat, que é o programa de acompanhamento. Tenho um rapaz que faz as gravações, mas tenho o Acácio que edita para não ficar cansativo. Ele edita uns três ou quatro jogos, e nós passamos para os atletas. Eu vivo intensamente o meu clube. Chego ao Vasco antes das 7h da manhã, o treino começa às 8h. Não tenho problema de indisciplina, de horário, de nada. Todos os jogadores assimilaram, viram que é bom. Hoje, o nosso ambiente dentro do vestiário é maravilhoso, mesmo com tudo o que vocês sabem de atraso (de salários), nós não temos problema nenhum.