PERSONALIDADES DO ESPORTE

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

ENTREVISTA COM VAGNER MANCINI, IDEALIZADOR DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TREINADORES!!!

Entrevista
18/10/2013 00:00:00
           
Vagner Mancini, idealizador da Federação Brasileira de Treinadores
           
"Mais da metade dos treinadores no Brasil não tem contrato assinado. Isso é uma vergonha", afirma Guilherme Yoshida        
               
As demissões dos treinadores no Campeonato Brasileiro deste ano, mais uma vez, foram mais frequentes do que os gols do artilheiro da competição.
 
Disputa para não ser rebaixado, algumas rodadas sem vitórias, muitos gols sofridos, críticas da torcida, motivação extra para o elenco, esquema tático indefinido, enfim. São vários os motivos apontados pelos dirigentes na hora de justificar o troca-troca destes profissionais em uma mesma temporada.
 
No entanto, este cenário pode estar com os dias contados se a Federação Brasileira de Treinadores de Futebol conseguir colocar em prática todas as suas propostas para mudar o tratamento que os técnicos têm atualmente no futebol nacional.
"Mais da metade dos treinadores no Brasil não tem contrato assinado. Isso, aos meus olhos, é uma vergonha. Queremos que os contratos de todos os treinadores sejam registrados nas federações e na CBF, como acontece com os atletas, entre outras reivindicações", afirma Vagner Mancini, principal idealizador da nova entidade da categoria, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.
 
As demissões em grande rotatividade, porém, são apenas uma parte das mudanças que os técnicos buscam no atual cenário do futebol brasileiro. Outros fatores, como regulamentação da categoria, legislação adequada para o setor, falta de representatividade no governo federal e até de uma qualificação especifica para o exercício da profissão, entre outros, também minam o desenvolvimento desta classe, aponta Mancini.
 
Segundo o atual treinador do Atlético-PR, este panorama deverá mudar com o projeto de lei que será encaminhado em breve ao Senado, pelo qual a entidade pretende promover algumas mudanças que reflitam nos resultados dentro de campo.
"Nosso país tem dimensões continentais. Com isso, temos dificuldades para unificação de ideias e regulamentos. Então, qualquer pessoa pode ser treinador no Brasil e isso não é correto. Em primeiro lugar, o treinador tem de ter noção de treinamentos, de intensidade de treinos, de táticas, etc. Mas, ele também deve ser um educador, pois está lidando com seres humanos. Além disso, a cultura do jeitinho brasileiro, no qual o treinador é escolhido sem nenhum planejamento e a mentalidade amadora também fazem com que as estruturas não melhorem", analisa.
 
"A cultura do 'ter de ganhar' sem se preocupar com o trabalho em longo prazo, o discurso da mídia, que quer vender jornais e ter cada vez mais audiência, sem se preocupar em conhecer o dia a dia dos clubes e trabalhar em prol da evolução do esporte, também influenciam com este cenário ruim", completa.
 
Nesta entrevista, Mancini ainda revela como a federação vai se diferenciar do trabalho dos sindicatos e como a entidade pretende auxiliar os interessados em iniciar a carreira como treinador de futebol.
 
Confira a íntegra:
 
Universidade do Futebol – Como surgiu a ideia de se criar esta Federação? Quais são seus principais objetivos?
 
Vagner Mancini – A ideia surgiu em conversa com alguns treinadores que também estavam indignados com o tratamento dado aos técnicos. Resolvemos, então, sentar e dialogar pensando no que poderia ser feito para melhorar nossa classe e, consequentemente, regulamentar e organizar a profissão.
 
E para se atingir os principais objetivos é preciso regulamentar e organizar a profissão, dar ao treinador a possibilidade de ser respeitado, contrato reconhecido na CBF saindo no BID, com repasse de encargos à União, de ser qualificado através de cursos ministrados pela federação, de termos um representante no STJD, um representante no Conselho Nacional de Esportes, tempo mínimo de contrato com os clubes, entre outros objetivos.
"Com o formato que temos hoje em dia no Brasil, só estamos protegidos com vitórias e conquistas, não há maneira de proteger ninguém, com ou sem federação. Em primeiro lugar, temos de mudar a mentalidade dos dirigentes, da imprensa e dos torcedores", afirma Mancini

Universidade do Futebol – Quais serão os campos de atuação da Federação? O que vai diferenciar sua atuação de entidades como os Sindicatos de Treinadores, por exemplo?
 
Vagner Mancini – A federação vai atuar acima dos sindicatos, com mais força politica e com maior representatividade. No inicio queríamos fazer uma Associação de Treinadores. Mas, conversando com pessoas influentes, decidimos que seria melhor fundarmos uma federação.
 
No Brasil, já temos algumas associações, todas bem intencionadas, mas, com pouca força política para mudar esse quadro atual destes profissionais no futebol brasileiro. Os treinadores são filiados aos sindicatos e os sindicatos à federação.
"Em primeiro lugar, o treinador tem de ter noção de treinamentos, de intensidade de treinos, de táticas, etc. Mas, ele também deve ser um educador, pois está lidando com seres humanos", aponta o atual treinador do Atlético-PR

Universidade do Futebol – Que mecanismos estão sendo criados para que esta federação não seja mais uma entidade que começa com bons propósitos, mas que aos poucos se enfraquece diante da realidade dos treinadores, com pouco tempo e interesse de se dedicarem à causa do fortalecimento desta categoria profissional?
 
Vagner Mancini – Primeiramente, não somos sindicalistas, somos treinadores. Nenhum treinador quer seguir carreira dentro da federação. Queremos é que a esta classe profissional ganhe seus direitos através de projetos levados a Brasília.
 
Por exemplo, mais da metade dos treinadores no Brasil não tem contrato assinado. Isso, aos meus olhos, é uma vergonha. Queremos que os contratos de todos os treinadores sejam registrados nas federações e na CBF, como acontece com os atletas, entre outras coisas.
 
Temos pouco tempo para dedicar à federação, mas temos muita força para reivindicar e exigir mudanças em um país que é pentacampeão mundial dentro de campo e subdesenvolvido na sua estrutura fora dele.
A ideia surgiu em conversa com alguns treinadores que também estavam indignados com o tratamento dado aos técnicos. Resolvemos, então, sentar e dialogar pensando no que poderia ser feito para melhorar a nossa classe e, consequentemente, regulamentar e organizar a profissão, justifica

Universidade do Futebol – Como a FBTF pretende auxiliar os interessados em iniciar a carreira como treinador de futebol?
Vagner Mancini – A ideia da federação é criar cursos de preparação e formação para novos treinadores e também qualificar melhor os que já são profissionais na área do treinamento. Tudo isso com a chancela da Fifa e da CBF.
 
Com o atual modelo, nossos cursos não são aceitos em alguns países do exterior e, por isso, perdemos grandes oportunidades de atuarmos fora do Brasil. Em um futuro, a ideia é nos associarmos a uma universidade para oferecermos um curso superior para treinador de futebol.
Queremos que os contratos de todos os treinadores sejam registrados nas federações e na CBF, como acontece com os atletas, recomenda Mancini

Universidade do Futebol – Em sua opinião, quais são os principais entraves para a profissionalização dos profissionais que atuam nesta função dentro do futebol brasileiro?
 
Vagner Mancini – São muitos. Nosso país tem dimensões continentais. Com isso, temos dificuldades para unificação de ideias e regulamentos. Então, qualquer pessoa pode ser treinador no Brasil e isso não é correto.
 
Em primeiro lugar, o treinador tem de ter noção de treinamentos, de intensidade de treinos, de táticas, etc. Mas, ele também deve ser um educador, pois está lidando com seres humanos. Além disso, a cultura do jeitinho brasileiro, no qual o treinador é escolhido sem nenhum planejamento e a mentalidade amadora também fazem com que as estruturas não melhorem.
 
A cultura do "ter de ganhar" sem se preocupar com o trabalho em longo prazo, o discurso da mídia que quer vender jornais e ter cada vez mais audiência sem se preocupar em conhecer o dia a dia dos clubes e trabalhar em prol da evolução do esporte.
 
Outra coisa, a falta de organização dos profissionais, no caso os treinadores, para buscar coisas novas e compartilhar com os outros colegas de profissão ou profissionais do futebol, a carência de simpósios e encontros para a qualificação dos mesmos, a falta de uma liderança que possa organizar a classe e dar respaldo a esses profissionais, entre outros entraves.

Segundo o ex-jogador, a carência de simpósios e encontros para a qualificação dos técnicos e a falta de uma liderança que possa organizar a classe e dar respaldo a esses profissionais também são outros entraves
Universidade do Futebol – Como vocês pretendem proteger os treinadores da cultura do curtíssimo prazo, onde dois ou três resultados negativos precipitam a demissão do treinador? O que pode ser feito neste sentido? Que mecanismos podem ser propostos?
 
Vagner Mancini – A ideia é modificar o panorama através de um projeto de lei que será encaminhado ao Senado, onde queremos promover algumas mudanças na legislação atual.
Por exemplo, o pagamento total do contrato em caso de demissão. Nesse caso, o treinador não poderia atuar em outro clube naquela temporada e, quando um clube demitir o treinador, a diretoria só poderá contratar um outro profissional quando tiver a assinatura da rescisão encaminhada à CBF, entre outras ideias.
 
Com o formato que temos hoje em dia no Brasil, só estamos protegidos com vitórias e conquistas, não há maneira de proteger ninguém, com ou sem federação. Em primeiro lugar, temos de mudar a mentalidade dos dirigentes, da imprensa e dos torcedores, todos imediatistas, que querem resultados e conquistas a todo instante, como se o treinador tivesse uma varinha mágica para desenvolver trabalhos produtivos sem ter tempo adequado para executá-los.
 
Então, a única maneira é conseguirmos por meio de um projeto de lei, conforme citado, dar ao treinador um respaldo maior na legislação para que o dirigente saiba que demiti-lo gera um prejuízo aos cofres de sua agremiação, além de dar tempo a este profissional.
Com o atual modelo, nossos cursos não são aceitos em alguns países do exterior e, por isso, perdemos grandes oportunidades de atuarmos fora do Brasil, diz Mancini

Universidade do Futebol – A profissionalização do treinador de futebol, neste século XXI, passa inevitavelmente por uma boa formação e atualização de conhecimentos que lhe dê suporte. Você acredita que somente a formação em Educação Física é o caminho? Ou você pensa em um modelo de formação específico? Como você vê esta questão?
 
Vagner Mancini – Não acho que um estudante de Educação Física formado tenha capacidade de dirigir um clube de futebol somente pelos conhecimentos adquiridos no curso. Terá de ter também capacidade técnica e tática para desenvolver o seu trabalho.
Estamos longe do modelo ideal, no qual através da universidade, esse profissional aprendesse regras e conhecimentos essenciais para a profissão. Atualmente, a maioria dos treinadores é formada por ex-atletas, que pela experiência adquirida durante a carreira, acabam tendo uma chance maior de trabalho.
 
Se conseguirmos unir essa experiência prévia à parte acadêmica, teremos uma melhor formação dos técnicos de futebol no país, com noções básicas de psicologia, gestão de pessoas, estratégias, etc.
A pressão exercida em qualquer clube tem início na mídia e agora nas redes sociais e acaba ultrapassando os limites de segurança, revela

Universidade do Futebol – Muitas vezes, a relação entre a mídia e os treinadores é tensa e conturbada. No seu modo de entender, como isto impacta no reconhecimento social e na pressão que os treinadores sofrem?
 
Vagner Mancini – A mídia é feita de bons e maus profissionais, assim como qualquer área ou categoria da sociedade. Existem os profissionais que contribuem para a evolução do esporte e também há quem prejudique. Muitas vezes, até por despreparo.
 
Então, a relação entre mídia e treinadores é conturbada e sempre será porque o treinador é julgado de uma forma desproporcional de tempo. A pressão exercida em qualquer clube tem início na mídia e agora nas redes sociais e acaba ultrapassando os limites de segurança. Nós, treinadores, somos, muitas vezes, ameaçados em lugares públicos.
 
O fato de "vender" jornal e ter audiência é mais forte do que caráter, sinceridade e dignidade. Nesse ponto estamos atrasados. O Brasil é um dos poucos países que ofender pessoas que estão trabalhando é normal. Por isso, as pessoas pagam ingresso e se sentem no direito de ofender aos outros, como se isso fosse uma coisa normal.
A ideia da federação é criar cursos de preparação e formação para novos treinadores e também qualificar melhor os que já são profissionais na área do treinamento. Tudo isso com a chancela da Fifa e da CBF, avisa Mancini

Universidade do Futebol – A Uefa vem realizando há mais de 10 anos um trabalho de apoio na direção de formar melhores treinadores através de diversos programas de qualificação. A FBTF tem conhecimento destes trabalhos? Quais seriam as dificuldades para se fazer algo semelhante no Brasil?
Vagner Mancini – Temos conhecimento sim desse trabalho feito na Europa. Queremos exatamente nos espelhar em quem trabalha direito e forma profissionais melhores a cada ano.
Para isso, necessitamos de uma união entre federação, CBF, sindicatos e clubes. E só conseguiremos isso quando estivermos mais bem estruturados e nosso futebol mais evoluído em profissionalismo.
 
Como podemos qualificar melhor nossos profissionais se não temos contrato assinado com mais da metade desses profissionais? Primeiramente, vamos arrumar a base, depois vamos melhorar as condições de trabalho, aí sim capacitar.


Universidade do Futebol – Em grande parte das profissões no futebol ainda permanece o conhecimento empírico devido à nossa pouca cultura de formação. No seu modo de entender, como a federação pode ajudar a mudar este cenário?
 
Vagner Mancini – Acho que a federação pode auxiliar e muito a estrutura do futebol brasileiro, pois vamos caminhar em direção à formação de melhores treinadores. Com a ideia de um curso superior, novas portas se abrirão também para outros cargos e categorias que também fazem parte da nossa estrutura.
 
Os executivos também estão se profissionalizando. Quem sabe um dia, teremos o prazer de anunciar uma Federação de Profissionais do Futebol.

Leia mais:Especial: a importância da formação do treinador de futebol
Especial: a importância da formação do treinador de futebol – parte II
Especial: a importância da formação do treinador de futebol – parte III
Especial: a importância da formação do treinador de futebol – parte IV
Especial: a importância da formação do treinador de futebol – parte final                                          Marcelo Martins, preparador físico do Bayern de Munique Francisco Navarro Primo, treinador da base do Valencia 
Pedro Boesel, gestor financeiro
Emily Lima, treinadora da seleção brasileira sub-17
João Burse, técnico do Mogi Mirim sub-20
Mariano Moreno, diretor da escola de técnicos da Espanha
Núcleo de Futebol da Faculdade de Motricidade Humana
Baltemar Brito, ex-auxiliar de José Mourinho
Kemal Alispahic, treinador da seleção do Tadjiquistao
Maurice Steijn, treinador do ADO Den Haag
Hidde Van Boven, treinador do sub-13 do VV De Meern
Wim van Zeist, instrutor técnico do De Graafschap
Reinier Robbemond, treinador da equipe sub-13 do AZ Alkmaar
Jefta Bresser, ex-treinador da academia de jovens do PSV Eindhoven
Ron Jans, treinador do SC Heerenveen
Aleksandar Rogic, assistente técnico da seleção principal de Gana
João Aroso, treinador adjunto da seleção portuguesa de futebol
Roberto Landi, treinador da seleção da Libéria
Gustavo Almeida, técnico do Red Bull sub-15
Cláudio Roberto Silveira, treinador do Sri Lanka

Entrevista
Universidade do Futebol        
18/10/2013 00:00:00

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